Apologia do Antinatalismo




 Neste ensaio buscarei responder as críticas mais feitas aos meus ensaios, utilizando lógica informal , analogias e exercícios mentais. Ele será mais direto do que o comum e além disso também vai ser mais formal e acadêmico.


1ª Crítica: “Mas ter filhos faz parte da natureza.”

Falácia: Apelo à Natureza


Resposta:

O fato de algo ser natural não faz automaticamente com que seja moral ou desejável. A natureza também nos apresenta predadores que caçam suas presas, tempestades destrutivas e doenças, mas isso não significa que devemos adotar esses comportamentos ou aceitá-los como bons. A procriação é um instinto natural, mas isso não a torna automaticamente uma decisão ética ou moralmente válida. É como dizer que, devido à natureza da doença, devemos permitir que todos a contraiam sem cuidado algum. Isso seria um erro. Da mesma forma, a procriação não deve ser vista como algo moralmente bom só porque ocorre naturalmente. O antinatalismo questiona a imposição de uma vida, com todos os seus desafios e sofrimento, sem que a pessoa tenha a possibilidade de consentir. O sofrimento inevitável e a falta de controle sobre a vida imposta justificam a reflexão sobre a moralidade de criar novos seres.


2ª Crítica: “Se fosse a solução para o sofrimento humano, nem estaríamos aqui.”

Falácia: Apelo à consequência 


Resposta:

O fato de a humanidade existir não é prova de que a criação de novas vidas seja uma solução para o sofrimento humano. Isso é um exemplo de raciocínio falacioso: o fato de algo acontecer não significa que seja a solução ideal para o problema em questão. Um exemplo claro disso seria comparar a sobrevivência de uma planta em solo poluído com a ideia de que o solo contaminado é bom. A planta pode ter sobrevivido, mas isso não torna o solo adequado para o crescimento dela. Da mesma forma, o fato de a humanidade existir não significa que a procriação seja uma solução moralmente justa para o sofrimento humano. A presença do sofrimento ao longo da história humana e a sobrevivência não invalidam o questionamento ético sobre a criação de novas vidas que inevitavelmente enfrentarão esse sofrimento.


3ª Crítica:  “A vida não é só sofrimento; ela também tem momentos bons.”

Falácia: Falsa Equivalência.


Resposta:

É inegável que a vida tenha momentos de prazer e satisfação, mas isso não apaga o sofrimento que a vida impõe. A vida humana é uma mistura de alegria e dor, mas não podemos ignorar que o sofrimento é constante e, muitas vezes, inevitável. Imagine um medicamento que oferece alívio temporário para uma dor crônica. Mesmo que o remédio ofereça momentos de alívio, a dor persistente não desaparece. Da mesma forma, a vida oferece momentos de prazer, mas o sofrimento continua a ser uma presença constante. Assim, a justificativa de que a vida vale a pena apenas por causa dos momentos de prazer não elimina o sofrimento que está sempre à espreita. O antinatalismo defende que, se é possível evitar a imposição de uma vida de sofrimento, devemos fazê-lo.


4ª Crítica:  “Se todos pensassem como o antinatalismo, a humanidade desapareceria.”

Falácia: Falsa Dicotomia.


Resposta:

Este argumento assume erroneamente que ou a humanidade continua a existir por meio da procriação ou ela desaparece. No entanto, o antinatalismo não defende a destruição da humanidade, mas uma reflexão ética sobre a criação de vidas. Isso é comparável a uma empresa que adota práticas mais sustentáveis e menos agressivas ao meio ambiente: ela não desaparece, mas se adapta a um novo modelo. O fato de a humanidade continuar a existir não depende exclusivamente da procriação irrestrita, mas de outras formas de crescimento e desenvolvimento, como o aprimoramento das condições de vida e da educação. O antinatalismo não propõe a extinção da humanidade, mas uma abordagem ética em relação à criação de novas vidas, considerando que o sofrimento faz parte da existência humana.


5ª Crítica: “A humanidade precisa de novas gerações para evoluir.”

Falácia: Apelo à Necessidade.


Resposta:

Embora seja verdade que novas gerações tragam inovações e evolução, a ideia de que a humanidade precisa constantemente de novos indivíduos não é uma justificativa ética para procriar. A evolução e o progresso não dependem da criação ininterrupta de novas vidas, assim como uma empresa não precisa expandir suas operações a todo custo para prosperar. O verdadeiro avanço da humanidade pode vir por meio de maior cuidado com os que já existem, criando um ambiente mais ético, justo e sustentável. A ideia de que o mundo precisa de mais vidas para avançar é uma visão redutora que ignora o sofrimento que a procriação impõe. O antinatalismo propõe que, em vez de gerar mais seres para um mundo já repleto de dor, devemos focar em melhorar as condições de vida para os que já habitam o planeta.


6ª Crítica: “Os avanços da sociedade comprovam que vale a pena viver.”

Falácia: Falsa Causa.


Resposta:

O progresso social, científico e tecnológico não necessariamente elimina o sofrimento humano. Imagine uma pessoa vivendo em uma casa moderna e bem equipada, mas ainda assim enfrentando dores psicológicas, relacionamentos problemáticos ou sofrimento existencial. O fato de a sociedade ter avançado em vários aspectos não significa que todos os problemas, principalmente os existenciais e os relacionados ao sofrimento, tenham sido resolvidos. Assim como a medicina pode melhorar a qualidade de vida, ela não erradica o sofrimento físico e emocional que é inerente à condição humana. O antinatalismo não rejeita o progresso, mas questiona se a criação de novas vidas é uma escolha ética diante das dores que elas inevitavelmente enfrentarão.


7ª Crítica: “Parar de ter filhos destruiria a família e a tradição.”Falácia: Apelo à Tradição.


Resposta:

Embora as tradições familiares sejam importantes, isso não significa que devam ser preservadas a qualquer custo. O argumento da tradição ignora que muitas práticas que antes eram vistas como tradicionais, como a escravidão ou a discriminação, foram superadas por uma reflexão ética sobre o bem-estar humano. O fato de a família ser uma instituição tradicional não justifica automaticamente a reprodução sem consideração moral, especialmente quando sabemos das dificuldades e do sofrimento que a vida impõe. O antinatalismo não visa destruir a família, mas questionar se devemos continuar perpetuando uma prática que inevitavelmente causa sofrimento a novos indivíduos.


8ª Crítica:  “O antinatalismo é egoísta, pois nega o valor da vida e do prazer de viver.”

Falácia: Falsa Imputação.


Resposta:

O antinatalismo não nega o valor da vida; ele questiona a ética de impor a vida a alguém sem seu consentimento, sabendo que essa vida inevitavelmente trará sofrimento. É como um médico que, ao prescrever um tratamento, deve considerar não apenas os benefícios, mas também os efeitos colaterais e os riscos envolvidos. O antinatalismo é uma reflexão sobre a responsabilidade moral de trazer alguém ao mundo sem saber como será a experiência dessa pessoa. O argumento de que o antinatalismo é egoísta falha ao não reconhecer que, na realidade, ele está buscando minimizar o sofrimento para os que ainda não nasceram.


9ª Crítica: “O sofrimento é inevitável; ninguém pode evitá-lo.”Falácia: Apelo à Iminência.


Resposta:

Embora seja verdade que o sofrimento faça parte da condição humana, isso não significa que devemos criá-lo ativamente ao trazer novas vidas ao mundo. Se uma pessoa já sofre de uma doença incurável, não a forçamos a continuar a sofrer sem um fim razoável. Da mesma forma, o antinatalismo propõe que, se podemos evitar o sofrimento ao não trazer novas vidas ao mundo, devemos fazê-lo. A inevitabilidade do sofrimento não justifica sua imposição sem consentimento.


10ª Crítica: “Se a vida é um erro, por que continuamos vivendo?”

Falácia: Apelo à Consequência.


Resposta:

A continuidade da vida não prova que ela seja “boa” ou moralmente desejável. Imagine um contrato de trabalho que você não escolheu, mas que teve que assinar por necessidade. O fato de você estar cumprindo esse contrato não significa que ele seja justo ou desejável. A continuidade da vida, mesmo em meio ao sofrimento, é uma consequência das circunstâncias, não uma validação moral da procriação. A ética do antinatalismo questiona justamente a imposição dessa continuidade àqueles que não a escolheriam.


11ª Crítica: “Todo ser humano tem o direito de nascer.”

Falácia: Apelo ao Direito.


Resposta:

Embora o direito à vida seja importante, isso não implica que devemos forçar a vida em situações em que não podemos garantir o bem-estar do indivíduo. Se uma pessoa tem o direito de viver, ela também deve ter o direito de não ser imposta a viver uma vida de sofrimento. É como um contrato: se alguém assina um acordo sem saber as consequências, isso não é justo. Da mesma forma, o direito de nascer não justifica a imposição de uma vida cheia de incertezas e sofrimentos, sem o consentimento da pessoa envolvida.


12ª Crítica:  “Os pais têm boas intenções ao ter filhos, o que justifica a procriação.”

Falácia: Apelo à Boa Intenção.


Resposta:

Embora os pais possam ter boas intenções, isso não elimina o fato de que o sofrimento humano é inevitável. Imagine que um chef prepare um prato delicioso, mas que contenha um ingrediente tóxico. A boa intenção do chef não torna o prato seguro. Da mesma forma, a boa intenção dos pais não elimina a possibilidade de seus filhos experimentarem dor, sofrimento e dificuldades ao longo da vida. A intenção não é o suficiente para justificar a imposição da existência a uma nova vida.


13ª Crítica: “Sem filhos, a sociedade não evolui e não há progresso.”

Falácia: Apelo à Necessidade.


Resposta:

A ideia de que a sociedade precisa de novos filhos para evoluir é redutora. O progresso da sociedade não se resume à quantidade de indivíduos, mas à qualidade das ideias, das condições de vida e do bem-estar daqueles que já existem. Pense em uma escola que decide dar melhores recursos aos alunos já matriculados, ao invés de matricular novos estudantes apenas para expandir o número de alunos. Essa abordagem pode resultar em um progresso mais sólido e ético. O antinatalismo questiona a perpetuação de vidas sem considerar os custos emocionais e existenciais dessa decisão.


14ª Crítica: “Se todos pensassem como o antinatalismo, o mundo seria muito triste e sombrio.”

Falácia: Apelo à Emoção.


Resposta:

O antinatalismo não promove a tristeza, mas uma reflexão sobre a moralidade de gerar sofrimento. Ele busca uma sociedade mais ética, em que as decisões sobre a criação de vidas sejam feitas com uma consciência mais profunda do sofrimento humano. Imagine um mundo onde as pessoas cuidam mais umas das outras e evitam causar sofrimento desnecessário. Isso não cria uma atmosfera de tristeza, mas uma de responsabilidade moral e respeito pelo bem-estar de todos. O argumento de que o mundo seria triste desconsidera a possibilidade de uma sociedade mais consciente e empática.


15ª Crítica: “A natureza quer que procriemos, e isso é parte de nossa essência.”

Falácia: Apelo à Essência


Resposta:

A “essência” da humanidade é moldada por nossas decisões morais e não apenas por nossa biologia. Se a natureza quiser que procriemos, ela também nos deu a capacidade de pensar e refletir sobre as consequências de nossos atos. Isso nos torna responsáveis pelas escolhas que fazemos. A essência humana é nossa capacidade de refletir e questionar, não apenas seguir instintos biológicos cegos. O antinatalismo questiona justamente a ideia de seguir cegamente um instinto sem considerar as consequências morais e o sofrimento que a procriação impõe aos indivíduos que não têm a oportunidade de consentir.


16ª Crítica: “Ter filhos é um ato de amor e altruísmo.”

Falácia: Apelo ao Sentimento.


Resposta:

Embora os pais possam sentir amor e altruísmo, isso não justifica automaticamente a decisão de trazer uma criança ao mundo. O amor e o altruísmo são sentimentos humanos valiosos, mas, no caso da procriação, eles não garantem que a criança viverá uma vida sem sofrimento. Seria como alguém que, por amor, oferece a um amigo uma experiência emocionante, mas que envolve um risco significativo de dor. O amor, por si só, não elimina as consequências de se criar uma vida em um mundo repleto de dificuldades e desafios. O antinatalismo questiona a imposição dessa experiência à nova vida, mesmo que ela seja gerada por sentimentos de amor.


 17ª Crítica: “A experiência subjetiva da existência é tão variada que não podemos, de forma objetiva, dizer que nascer impõe um sofrimento moralmente inaceitável.”Possível Falácia: Apelo à Incerteza / Apelo à Subjetividade


Resposta:

Embora seja verdade que a experiência de vida seja profundamente subjetiva e que alguns indivíduos vivam de forma mais positiva do que outros, essa variação não elimina o fato de que, em termos gerais, a existência envolve uma probabilidade significativa de sofrimento. Imagine um medicamento que funciona maravilhosamente bem para alguns, mas causa efeitos colaterais graves para outros; a eficácia média não invalida a necessidade de avaliar os riscos. O antinatalismo, ao focar na imposição da vida sem consentimento, questiona a ética de expor qualquer ser a esses riscos inevitáveis, independentemente de algumas experiências subjetivamente positivas. Mesmo que o valor de certas vivências seja elevado para uns, não podemos ignorar o fato de que a criação de uma vida impõe a chance de enfrentar um sofrimento que não pode ser objetivamente medido ou consentido.


18ª Crítica: “A existência permite a manifestação de beleza, amor e significado que são intrínsecos à condição humana. Como o antinatalismo pode ignorar esses aspectos positivos, que são parte essencial do que significa viver?”Possível Falácia: Apelo à Emoção / Falsa Dicotomia (positivo versus negativo)


Resposta:

Essa crítica parte da ideia de que o positivo pode compensar o negativo, mas isso assume uma dicotomia simplista. Considere uma obra de arte que encanta e emociona, mas cuja criação envolveu sofrimento extremo para o artista. O fato de a obra resultar em beleza não justifica o sofrimento que a produziu. Da mesma forma, mesmo que a existência permita experiências profundas de amor e significado, esses benefícios não anulam a imposição involuntária de uma vida onde o sofrimento é uma possibilidade real e constante. A questão ética do antinatalismo não é negar o valor do que é belo, mas questionar se é moralmente aceitável forçar alguém a experimentar uma realidade onde os aspectos positivos podem ser eclipsados por um sofrimento inevitável e indesejado.


19ª Crítica: “O antinatalismo adota uma perspectiva pessimista que pode ser apenas uma visão limitada do potencial humano. Não seria mais equilibrado reconhecer que a existência contém tanto potencial para o bem quanto para o mal?”Possível Falácia: Falsa Equivalência / Apelo à Simetria


Resposta:

Reconhecer que a existência tem aspectos positivos e negativos é, de fato, uma visão equilibrada. No entanto, o antinatalismo não ignora o potencial para o bem; ele foca na questão ética de impor uma existência que, inevitavelmente, trará sofrimento. Pense em uma decisão médica: mesmo que um tratamento tenha potencial para salvar vidas, se ele também impõe riscos significativos sem o consentimento do paciente, sua aplicação ética é questionável. Da mesma forma, a coexistência de aspectos positivos e negativos na vida não justifica a criação de vidas sem a possibilidade de consentimento. O antinatalismo propõe que, na balança ética, o risco e a inevitabilidade do sofrimento devem pesar mais do que o potencial positivo, justamente porque o bem experienciado não é garantido e a pessoa não tem voz para aceitar esse risco.


20ª Crítica:  “O antinatalismo ignora as possíveis intervenções sociais e tecnológicas que podem mitigar o sofrimento humano. Se pudermos melhorar as condições de vida, por que não usar esses avanços para reduzir o sofrimento em vez de evitar o nascimento?”Possível Falácia: Apelo à Possibilidade (ou à Hipotética Melhoria)


Resposta:

Embora seja promissor acreditar que avanços sociais e tecnológicos possam reduzir o sofrimento, essa perspectiva ainda não elimina o fato de que o sofrimento é inerente à condição humana. Considere um cenário em que um novo medicamento reduz significativamente a dor, mas ainda deixa uma fração dos pacientes com efeitos colaterais severos—isso não justifica o uso irrestrito do medicamento sem antes considerar os riscos. Da mesma forma, mesmo que melhorias possam, teoricamente, mitigar parte do sofrimento, elas não eliminam a incerteza e o risco moral de impor a existência a alguém que nunca pôde consentir. Além disso, as intervenções podem ser desiguais e nem todos terão acesso a elas, perpetuando o sofrimento em larga escala. O antinatalismo, portanto, questiona a ética de criar vidas sob condições de incerteza, mesmo com avanços, pois a decisão de nascer não é passível de adaptação ou consentimento por parte do indivíduo.


21ª Crítica: “Você está vivo e defende o antinatalismo — isso é uma contradição.”

Falácia: Tu quoque (apelo à hipocrisia)


Resposta:

Essa crítica tenta invalidar o argumento com base no comportamento do defensor, em vez de responder ao conteúdo da ideia. O fato de um antinatalista estar vivo não refuta sua posição, pois ele não escolheu nascer. Viver após ter sido forçado à existência não significa que se concorde com essa imposição. Ser antinatalista enquanto se vive é como um prisioneiro criticar o sistema carcerário mesmo estando preso — ele está apenas reconhecendo que está dentro de um sistema que não escolheu e que considera injusto. Essa crítica confunde coerência pessoal com validade argumentativa.


22ª Crítica: “Sem o sofrimento, não poderíamos valorizar a felicidade.”

Falácia: Apelo à Dialética Necessária / Naturalização da Dor


Resposta:

A existência do sofrimento como contraste para a felicidade não o torna moralmente justificável. É como defender a tortura dizendo que ela serve para valorizar a liberdade. O sofrimento pode, de fato, dar sentido a certos momentos felizes, mas isso não significa que devamos impô-lo deliberadamente a alguém sem consentimento. O antinatalismo propõe que, se a felicidade precisa do sofrimento como referência, isso revela a natureza trágica da condição humana, e não uma razão ética para perpetuá-la.


23ª Crítica: “A espécie humana tem o dever de continuar existindo.”

Falácia: Apelo ao Dever Sem Fundamento (ou Dever Autoimposto)


Resposta:

Essa ideia parte do princípio não demonstrado de que há um dever metafísico ou moral em perpetuar a espécie. No entanto, deveres só existem entre sujeitos conscientes e livres para aceitá-los. A “espécie” como um todo não é um sujeito moral, e não há um contrato universal que obrigue os humanos a se reproduzirem. Essa crença é comparável a dizer que uma máquina deve continuar funcionando eternamente apenas porque já está em funcionamento. O antinatalismo questiona a moralidade de transformar a reprodução em dever, especialmente considerando os custos existenciais impostos aos novos seres.


24ª Crítica: “Você não pode garantir que uma vida será ruim; ela pode ser maravilhosa.”

Falácia: Apelo à Possibilidade Positiva (ou à Incerteza Otimista)


Resposta:

É verdade que algumas vidas podem ser subjetivamente boas, mas isso não elimina o risco significativo de sofrimento. A criação de uma vida envolve apostar no desconhecido com consequências irreversíveis para um terceiro. É como lançar uma roleta russa com mais espaços vazios do que balas — o risco continua moralmente problemático, mesmo que a maioria “sobreviva”. O antinatalismo sustenta que não é eticamente aceitável impor um risco tão existencialmente profundo a alguém que não teve qualquer voz no processo.


25ª Crítica: “Se todos parassem de ter filhos, o planeta se tornaria inútil.”

Falácia: Apelo à Finalidade Cósmica (ou Antropocentrismo Exagerado)


Resposta:

A suposição de que o planeta precisa da presença humana para ter valor revela uma visão excessivamente antropocêntrica. A Terra existia muito antes dos humanos e provavelmente continuará existindo após nós. Declarar que ela se tornaria “inútil” sem a humanidade é como dizer que uma floresta perde seu valor se ninguém a observar — um argumento que confunde utilidade com existência. O antinatalismo não nega o valor do planeta, mas propõe que não devemos continuar populando-o à custa de sofrimento humano apenas para manter uma presença simbólica ou autojustificada.


Crítica 26ª: “O antinatalismo comete a falácia da assimetria moral ao considerar o sofrimento como moralmente mais relevante do que o prazer. Se ambos são moralmente relevantes, por que priorizar a não existência por causa do sofrimento e não valorizar a existência por causa do prazer?”


Resposta:

Essa crítica toca o coração da teoria de Benatar e outros antinatalistas. A assimetria que o antinatalismo propõe não é meramente emocional — ela tem uma base lógica e moral coerente: o sofrimento é moralmente problemático porque fere alguém; já o prazer, embora bom, não é moralmente necessário quando não há alguém para senti-lo.


Ou seja, a ausência de prazer em uma vida não criada não é uma tragédia — ninguém sofre por não experimentar alegria. Já a presença de sofrimento, quando a vida é imposta, é um mal concreto que atinge alguém que não escolheu existir. A questão, portanto, não é que o sofrimento “pese mais”, mas que ele é moralmente relevante de forma distinta, por sua intrusividade e inevitabilidade.


Além disso, o prazer não compensa retroativamente o mal de se sofrer, pois o bem-estar não é uma “moeda moral” que paga pela dor. O prazer é positivo quando há alguém para desejá-lo, mas não há nenhuma obrigação moral de criar alguém para que esse prazer seja experienciado. O sofrimento, em contrapartida, deve ser evitado quando possível, e a não criação é o único meio seguro de evitar sofrimentos futuros não consentidos.


Crítica 27ª: “Se a inexistência é melhor do que a existência, o antinatalismo deveria defender o suicídio como solução lógica. Mas não o faz. Isso é incoerente.”


Resposta:

Essa crítica confunde dois domínios diferentes: o ético e o prático-existencial. O antinatalismo é uma teoria preventiva, e não necessariamente eliminativa. Ele não diz que “a vida é tão ruim que deveríamos todos morrer”, mas sim que impor a existência a um ser ainda inexistente é eticamente problemático. O foco não é quem já vive — mas quem ainda não nasceu.


O suicídio envolve um indivíduo já consciente, com desejos, vínculos afetivos, medos e, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade psicológica. O antinatalismo não impõe a morte, porque isso também seria uma violação da autonomia e da dignidade humana. Diferente da não criação, que não fere ninguém, o suicídio pode ser o fim de uma existência ainda dotada de valor subjetivo para o indivíduo que vive.


Por isso, um antinatalista coerente pode desejar viver apesar de ver sua existência como imposta e, por isso, injusta — do mesmo modo que alguém pode continuar pagando um contrato abusivo por não ver alternativas melhores. É possível desejar viver sem considerar justo ter sido colocado nessa situação. O antinatalismo, portanto, não é niilismo ativo, mas uma ética preventiva baseada no consentimento e na minimização do risco de sofrimento imposto.


28ª Crítica: “O antinatalismo parte de uma premissa pessimista que, na verdade, é uma projeção subjetiva. A maioria das pessoas considera suas vidas boas ou ao menos aceitáveis. Não seria antidemocrático rejeitar a autopercepção das pessoas sobre o valor da própria existência?”


Resposta: 

Essa objeção é poderosa porque invoca o princípio da autonomia subjetiva — mas há um erro de categoria aqui. O antinatalismo não nega que muitas pessoas avaliem suas vidas como boas, mas aponta que esse julgamento não pode ser aplicado antes do nascimento, quando não há ninguém para consentir com a imposição da vida.


A questão central não é se a maioria gosta de viver, mas se é eticamente aceitável arriscar criar alguém que pode não gostar — e pode sofrer profundamente — sem que essa pessoa tenha tido qualquer voz nesse risco.


É importante notar também que a autopercepção de satisfação é influenciada por mecanismos de adaptação cognitiva, como dissonância cognitiva e viés de otimismo — as pessoas tendem a racionalizar sua existência positivamente para lidar com ela, especialmente se não veem uma saída. Portanto, a percepção de “vida boa” não é uma base sólida para a justificação moral da procriação.


O antinatalismo não nega que vidas possam ser boas, mas sustenta que o risco de que sejam péssimas e que não há consentimento prévio tornam a decisão de gerar vida uma aposta ética muito frágil.


29ª Crítica: “Se não existe alguém antes de nascer, então não há sujeito prejudicado. Logo, não há injustiça em procriar, porque não há quem tenha tido direitos violados.”


Resposta: 

Essa objeção está enraizada em uma concepção estritamente contratualista e jurídica da injustiça, como se uma ação só pudesse ser considerada injusta se houver um sujeito de direitos já constituído no momento da violação. Mas isso ignora o caráter preventivo e projetivo da ética.


A ética não se limita ao presente ou ao que já existe; ela também antecipa consequências previsíveis de nossas ações. Por exemplo, se eu programo deliberadamente um robô para explodir assim que for ligado, não posso alegar que não cometi uma injustiça apenas porque o robô ainda não estava ativado no momento da programação. O mesmo vale para a criação de uma vida humana: o fato de o sujeito ainda não existir não absolve o agente (os pais) de responsabilidade ética, porque a ação é realizada com o claro propósito de criar um ser vulnerável à dor, ao trauma e à morte.


Além disso, essa crítica incorre em uma espécie de “lacuna moral ontológica”: ela pressupõe que só podemos nos preocupar moralmente com seres já existentes. Mas a própria medicina preventiva, as políticas de saúde pública e a bioética refutam isso. Impedimos ações que sabidamente vão gerar sofrimento mesmo antes de o paciente nascer (como quando evitamos doenças congênitas ou abortamos fetos com anomalias fatais). Isso mostra que nossa intuição moral já reconhece a legitimidade de agir com base em consequências futuras para seres futuros.

O filósofo David Benatar, por exemplo, propõe uma assimetria lógica e ética:


1.A ausência de sofrimento é boa mesmo que não haja ninguém para desfrutá-la.


2.A ausência de prazer não é má a menos que alguém exista para sentíla. Essa assimetria mostra que podemos considerar uma ação ética mesmo em relação a um não-sujeito atual, desde que a alternativa (não agir) evitasse danos futuros.


Finalmente, se aceitássemos o argumento de que “ninguém é prejudicado porque ninguém existia antes”, teríamos de aceitar também que não há problema moral em criar vidas fadadas à tortura ou à extrema miséria, já que, antes de existirem, esses seres também não tinham direitos. Isso levaria a consequências moralmente inaceitáveis.



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